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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Saiba por que o Tratado Internacional do Livro Acessível, ou Tratado de Marrakech, prejudica as pessoas com deficiência visual. - tutelados quanto ao livro acessível

Renato Barbato

13:34 (Há 16 horas)

para Renato
Olá amigos.
Vejam as ponderações da amiga Késia sobre o Tratado de Marrakech.
Leiam e divulguem, precisamos barrar essa ratificação que jogará a pessoa com deficiência visual no limbo da educação e cultura.
O livro digital deve ser comercializado, para quem desejar e não ser prerrogativa de instituições filantrópicas decidir o que e quando o coitadinho do ceguinho irá ler.
Um grande abraço.
PAZ, LUZ E AMOR.
Renato Barbato


De: movimentocidadeparatodos@googlegroups.com [mailto:movimentocidadeparatodos@googlegroups.com
Enviada em: quinta-feira, 14 de maio de 2015 08:26

Saiba por que o Tratado Internacional do Livro Acessível, ou Tratado de
Marrakech, prejudica as pessoas com deficiência visual.

Por Késia Pontes

Olá pessoal, resolvi colocar algumas questões sobre este tratado para discutirmos, se não nos posicionarmos e este tratado for ratificado como
emenda constitucional, seremos tutelados quanto ao livro acessível e que não reclamem depois da tutela.

Colocarei os trechos do tratado entre aspas e abaixo faço as considerações.

Na parte das definições:
“a) “obras” significam as obras literárias e artísticas no sentido do Artigo 2.1 da Convenção de Berna sobre a Proteção de Obras Literárias e
Artísticas, em forma de texto, anotação e/ou ilustrações conexas, que tenham sido publicadas ou tornadas disponíveis publicamente por qualquer meio.”
No documento, por parte “contratante” leia-se ONGs e instituições de caridade que sobrevivem desse tipo de projeto.

Agora vem a armadilha:
“ Declaração acordada relativa ao Artigo 2º(a): Para os efeitos do  presente Tratado, fica entendido que nesta definição se encontram compreendidas as obras em formato áudio, como os audiolivros.”

Vejam que o tratado começa a definir um formato para a disponibilização de livros acessíveis à pessoa cega quando cita o livro em áudio, o que nos prejudicará bastante porque nos fará dependentes das instituições ssistencialistas, como veremos em seguida. O correto seria que não se definisse o formato, mas que este fosse compatível com o desenho universal, para que tenhamos acesso ao texto e possamos manipulá-lo para fins acadêmicos e em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

“b) “exemplar em formato acessível” significa a reprodução de uma obra de maneira a permitir aos beneficiários acesso à leitura de maneira tão prática e cômoda quanto é para uma pessoa sem deficiência visual ou sem outras dificuldades.

"O exemplar em formato acessível é utilizado exclusivamente por beneficiários e deve respeitar a integridade da obra original, levando em devida consideração as alterações necessárias para tornar a obra acessível no formato alternativo e as necessidades de acessibilidade dos beneficiários.”

Vejam que neste trecho, embora tenham ressaltado as necessárias adaptações nos livros,  
colocaram o formato em áudio como exemplo, ficando implícito que as obras seriam disponibilizadas neste formato. O tratado também nos coloca na posição de beneficiários e não de consumidores com todo direito de escolher o livro segundo nossas necessidades. É claro que as editoras precisam ser resguardadas quanto aos direitos autorais, porém, quando se trata de consumidores com deficiência, a obra tem de ser disponibilizada acessível e pronto, por meio de formatos que nos tragam autonomia de manuseio e também de escolha das obras que queremos comprar. Transformar-nos em beneficiários é incentivar a caridade. Quanto mais universal for o formato da obra produzida, menos adaptações serão necessárias no formato do texto original  no tocante às necessidades das pessoas com deficiência visual. Além disso, recursos como as descrições de imagens e gráficos poderão ser facilmente produzidos diretamente pelas editoras com profissionais capacitados para tal.

Muitos recursos que pensamos ser exclusivos para pessoas cegas e com baixa visão atendem a uma infinidade de pessoas, como as idosas,  com dislexia e deficiência intelectual, entre outras.

Abaixo, pode-se ver quem realmente é beneficiado por este tratado e que, ao contrário da ideia de transversalidade, nos coloca dependentes de instituições assistencialistas:

“A entidade autorizada estabelecerá suas próprias práticas e as aplicará:
i) para determinar que as pessoas a que serve são beneficiárias;
ii) para limitar aos beneficiários e/ou às entidades autorizadas a
distribuição e colocação à disposição de exemplares em formato acessível;
iii) para desencorajar a reprodução, distribuição e colocação à disposição de exemplares não autorizados; e
iv) para exercer o devido cuidado no uso dos exemplares das obras e manter os registros deste uso, respeitando a privacidade dos beneficiários em conformidade com o Artigo 8º.”

Vejam que o tratado joga a responsabilidade para ONGs e entidades especializadas, mas isenta as editoras da responsabilidade pelos livros que edita. Além disso, não oferece diretrizes para a adaptação das obras e confere às ONGs e entidades especializadas poder de decidir como
publicar, o que publicar e a quem as publicações serão destinadas e, ainda mais, quais livros elas julgam que não são publicados em formatos legalmente reconhecidos, o que não existe no Brasil, pois não houve regulamentação sobre o que seria livro acessível. A Lei do Livro, de número 10.753/2003, lei esta que organiza, disciplina, estimula e fomenta o mercado editorial brasileiro, em vigor há onze anos, ainda não foi regulamentada em seus Incisos VII e VIII do Art. 2°, justamente aqueles que disciplinam a produção de livros em formatos acessíveis para pessoas com deficiência visual.

Ademais, ignora-se descaradamente a Lei dos Direitos Autorais, de número 9.610/1998, em seu Art. 46, Inciso I, Alínea d, além da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, Decreto Legislativo 186/2008, em seu Art. 30, Inciso I c e Inciso III, lembrando que essa Convenção foi ratificada no Brasil como Emenda Constitucional.

O Tratado de Marrakech é a ratificação do que já ocorre no Brasil e irá se espalhar por outros países, principalmente pobres. As instituições assistencialistas fazem contratos com as editoras, que fornecem os arquivos digitalizados para
que elas os transformem em áudio e, é bom destacar, sem qualquer qualidade: já ouvi vários relatos de pessoas que receberam audiolivros
com erros, ruídos, pessoas conversando atrás, má
leitura etc. O audiolivro fere a ideia de desenho universal e não dá à pessoa com deficiência acesso ao conteúdo do livro, tal qual formatos
como o  DAISY, cujo acesso ao conteúdo se dá por texto simples, totalmente desconfigurado e complicado de adequar ao uso científico.


Diante disso deixo algumas perguntas: por que estabelece-se que a disponibilidade de livros em formato acessível tem de ser em formato alternativo e não dentro do desenho universal? Por que a disponibilização de livros neste tal formato alternativo, leia-se audiolivros, não pode ser feita com fins lucrativos por parte das editoras?

Nesse sentido, cerca de 6,5 milhões de pessoas cegas e com baixa visão no Brasil, segundo último censo do IBGE do ano de 2010, não têm
garantido o direito fundamental de acesso aos livros, uma vez que editoras ou qualquer outra fonte produtora de leitura no Brasil estão oficialmente isentas da obrigação de proporcionar acessibilidade a seus produtos, resultando nessa gigantesca e inaceitável exclusão do universo do conhecimento e da informação.

Késia Pontes
Historiadora, Mestre e Doutoranda na linha Trabalho e Movimentos sociais
Servidora da Biblioteca Central da UFU - Campus Santa Mônica
Skype: Kesiahistoria
Twitter: @Késia_Pontes
Facebook: kesia.pontes

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